O carvão foi parar no prato. Estranho? Não para uma
turma de c
hefs que está se divertindo criando receitas em que a cor
preta é combinada a ingredientes suculentos.
O chef espanhol Andoni Luis Aduriz, do Mugaritz, em San Sebastian, gosta
de criar pratos que chama de “trampantojos de Mugaritz”, aqueles que
fazem a brincadeira
do parece mas não é. Em alguns deles, o trunfo é exatamente o carvão. A
primeira experiência do chef espanhol com a madeira queimada aconteceu
por causa do carvoeiro Emilio, um senhorzinho de quase 80 anos que faz o
combustível usado nos fornos do restaurante de Andoni. Inspirado também
pelo filme “Tasio” (1984), de Montxo Armendáriz, o chef decidiu
homenagear os carvoeiros,
levando para o prato algo parecido com carvão.
Na verdade, um pedaço de aipim cozido em um caldo feito com o carvão,
que vira uma tinta preta que colore o tubérculo. Para acompanhar,
ovos mexidos no ponto cremoso.
— No Mugaritz, quero que os meus pratos sempre contem histórias. Esta é
uma delas — diz Andoni.
Ele gostou da brincadeira e fez mais um: vitela assada e perfumada na
brasa, que recebe uma camada preta feita com vegetais queimados e
emulsionados em azeite e carvão. Por fim, polvilhada com cinzas de
tomilho. Virou mais um hit, e a comida preta se espalhou pelo mundo.
O chef Rafa Costa e Silva, que foi sous chef de Andoni de 2007 a 2012,
lembra ainda de um grisini de carvão.
— Era um prato mítico que fazíamos por lá. Eu preparei muitas vitelas
também, que ficavam maravilhosas — conta ele, que, atualmente, usa a
brasa somente como forma de cocção em seu restaurante Lasai, em
Botafogo. — Usado no preparo, o carvão agrega sabor e aroma, além do
tostado.
MISTURADO COM CHÁ
No Maní, em São Paulo, a chef Helena Rizzo colocou no menu o rosbife em
crosta de carvão e chá lapsang souchong. Nele, o pó do carvão é
misturado com o chá e, em seguida, passado na carne, que fica com uma
cor bem preta e o sabor defumado.
— O prato é inspirado em uma carne também com crosta que conheci durante
o meu estágio no El Celler de Can Roca no começo dos anos 2000. Este
prato virou um clássico do Maní, tanto que tem versão
finger food no restaurante Manioca — conta Helena, e continua. — O
carvão, no caso deste rosbife, traz mais um efeito estético. Mas tenho
uma salada em que faço uma infusão do carvão em brasa no azeite que
ganha um sabor forte de defumado.
Tanto Andoni, quanto os irmãos Roca podem até não terem sido os
primeiros, mas foram os responsáveis por tornar tendência a ideia de
puxar a brasa para dentro do prato.
No Rio, o chef Felipe Bronze reabriu o Oro, no Leblon, com foco na
brasa. Todos os pratos, dos snacks às sobremesas, passam pelo calor do
carvão. Agora, no cardápio novo, que lança na próxima terça-feira, ele
colocou algumas cinzas de carvão salpicado no prato que leva berinjela
assada, creme de berinjela defumada, peixe em missô e gema curada.
— O carvão não tem gosto, é um recurso
mais estético. Faço a berinjela como no rescaldo argentino, que enterra
os ingredientes sob brasas e cinzas quentes para que, assim, absorva
também o sabor defumado — comenta Felipe, que irá lançar também pratos
como o polvilho com o purê de limão defumado na brasa e a acelga cozida
em caldo de carne bem intenso e finalizada também na brasa.
A Vitalatte, produtora de queijos frescos italianos em Valença, interior
do Rio, lançou este ano uma mozzarela negra. Foi em uma
viagem
à Itália, em dezembro, que os queijeiros aprenderam a técnica de
preparo, que fica no tom por conta da mistura do pó bem fininho de
carvão incluído durante uma parte do processo de preparo. É a mesma
história: o sabor continua o mesmo, mas a cor...
— Faz muito sucesso pelo inesperado. Um queijo fresco preto é difícil de
se encontrar no Brasil. Mas na Itália já tem bastante, de vários tipos,
aliás. Uma dica é servir intercalando as fatias da mozzarela branca com
as da preta — conta o queijeiro André Guedes, que coloca menos de 10g
de carvão em um queijo de 280g.
E no roteiro tem mais exemplos: no restaurante Sá, comandado pelo chef
Paulo Góes, o carvão aparece no preparo do molho chimichurri, que
tempera a costela braseada com polenta recheada com creme de milho. Já
Elia Schramm faz um azeite de carvão para mergulhar a croqueta de
bacalhau que vai entrar no menu do Laguiole. E a marca carioca de
produtos artesanais Plezi Gourmet lançou o azeite defumado em fumaça de
carvão.
BOM PARA DETOX
Para os que gostam do estilo de vida das bebidas detox, um aviso: o
carvão vegetal ativado é considerado desintoxicante. Na Califórnia, o
suco preto entrou no lugar do verde. O que mais se vê são pessoas com
seus copos e garrafinhas de suco pretíssimo saindo do ioga, bebericando
em uma loja de comidas naturais e por aí vai. A marca de sucos
LuliTonix, da americana Lianna Sugarman, criou o Black Magic, uma
mistura de carvão com limão que promete dar um gás nas dietas. O gosto?
De limonada caseira.
A marca Black + Blum, de marmitas de design, lançou a Eau Good, uma
linha de garrafinhas que vêm com um graveto de carvão vegetal ativado. A
cultura de colocar o carvão na água é antiga, usada desde o século XVII
pelos japoneses para purificar a água, reduzindo o cloro, mineralizando
e equilibrando o pH.
Para quem estranha, a nutricionista Patricia Davidson explica que o
carvão vegetal ativado já é usado na medicina natural há muito tempo, na
forma de fitoterápico, auxiliando em casos de intoxicação. A novidade
é ter virado gourmet.
— O carvão começou a ser utilizado por seu alto poder de desintoxicação.
Atua como uma esponja, absorvendo e ajudando na eliminação do que há de
tóxico nos alimentos, como corantes e toxinas de carnes ou peixes. Ele
também é bom para a redução de níveis de colesterol ruim no sangue e
previne a ressaca — explica ela, que indica um carvãozinho depois de um
festa. — Para a ressaca, pode ser tomado em cápsulas, na manhã seguinte,
para limpar o organismo. Em pó, como tem sido usado na gastronomia,
auxilia na digestão e na eliminação de gorduras.
Ou seja, carvão faz bem durante e também depois do jantar.
Próxima
Depois de conquistar os naturebas, carvão vira ingrediente para
chefs famosos
http://oglobo.globo.com/ela/gastronomia/depois-de-conquistar-os-naturebas-carvao-vira-ingrediente-para-chefs-famosos-20209718
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